“Para mim o sucesso não dá prazer. Não posso ir a uma praia na Europa; em cinco minutos aparece um fotógrafo. Tenho uma aparência física que não posso disfarçar. Se eu fosse baixinho, poderia tirar a barba e colocar óculos escuros, mas, com a minha altura, meus braços longos e tudo isso, eles me descobrem de longe. Por outro lado, há coisas muito bonitas: eu estava em Barcelona no mês passado, passeando pelo bairro gótico certa noite, e havia uma moça americana, bem bonita, tocando violão muito bem e cantando. Ela estava no chão cantando para fazer algum dinheiro. Parecia um pouco a Joan Baez, uma voz muito pura, límpida. Havia um grupo de jovens de Barcelona escutando. Parei para ouvi-la, mas fiquei na sombra. A certa altura, um daqueles rapazes, devia ter uns vinte anos, era muito jovem, muito bonito, chegou perto de mim. Tinha um bolo na mão. Ele disse: ‘Julio, pegue um pedaço’. Então eu peguei um pedaço e comi, e disse a ele: ‘Muito obrigado por ter vindo me dar esse pedaço de bolo’. Ele respondeu: ‘Mas, escute, estou lhe dando tão pouco em comparação com o que você me deu’. E eu disse: ‘Não diga isso, não diga isso’, nos abraçamos e ele foi embora. Bem, coisas assim, essa é a melhor recompensa pelo meu trabalho como escritor. Que um rapaz ou uma moça venha falar comigo e me oferecer um pedaço de bolo é maravilhoso. Vale o trabalho de ter escrito.”
[ Julio Cortázar – quase disfarçado na foto acima – em depoimento a Jason Weiss, no ano de 1984, pouco antes da morte do escritor argentino. Esse trecho eu colhi do segundo volume do livro “As Entrevistas da Paris Review”, traduzido por George Schlesinger e publicado pela Companhia das Letras ]