
Hoje eu acordei com 47 anos. Feitos ontem, dia 20 de março. Hoje eu acordei em 1967, em Sertânia. Contaram-me. Nasci no dia em que a pequena cidade do sertão pernambucano enfrentava uma grande enchente. Ela, tão seca, de repente viu muita chuva. Nasci de sete meses, em plena ditadura militar. Hoje acordei pensando nisto, no Brasil, no destino. Nas forças revolucionárias, sei lá. Muito mais que uma guerreira, minha mãe era uma guerrilheira, mesmo sem saber o que era isto. Ela queria desbravar, sair do lugar, se exilar mundo afora. E foi. Aos três anos, cheguei em Paulo Afonso, na Bahia. Hoje acordei em Paulo Afonso. Na cachoeira, no Cine Castelo, onde assisti a meu primeiro filme. Voltei à praça em frente ao Cine Castelo, eu rodando no mesmo carrossel em que passei mal. Até hoje, não consigo ficar girando em um mesmo círculo. Fiquei pensando nisto. Estou pensando nisto. No movimento. A todo tempo uma inquietação. A família veio morar no Recife em 1975. No Recife, estudei, fiz teatro, entrei para a faculdade, larguei a faculdade, me apaixonei, participei de grupos de poesia, montei peças, produzi, me aprimorei em oficina de criação literária, escrevi meus primeiros contos. No ano de 1991, vim para São Paulo. Zerado de tudo, sem emprego, instalado na casa de um querido amigo, generoso e único. Em São Paulo, trabalhei com revisão de textos, anos malhando em agência de propaganda, em contato, não tanto com a propaganda, mas, sobretudo, com a língua portuguesa. Conheci escritores, fui indicado para minha primeira editora por um grande crítico literário, publiquei volumes de contos, participei de antologias geracionais, aprontei projetos de circulação de livrinhos, assim, gratuitos, fiz muitos amigos, irmãos, coordenei oficinas idem, assim como o meu mestre, lá no Recife, ganhei um prêmio, perdi outros, viajei muito, abandonei a revisão, criei um evento literário que, neste ano de 2014, completará sua nona edição, e apresentei shows, encontrei uma ou outra nova paixão, bebi muitas cervejas, ave nossa, beleza. E hoje, ufa, aos 47 anos, acordei, mais velho e mais feliz, em Paris. Estou ainda me perguntando: que significado tem essa data de ontem, passada tão longe, na França, onde vim lançar a tradução de meu primeiro romance, depois de vários livros de contos? Eu não saberia dizer. Sei que foi o trabalho o que me trouxe aqui. As escolhas que eu fiz, a duras batalhas e penas, pelo caminho. O destino, em boa parte, nos guiando. Sem sair de Sertânia. Explico: estou aqui, como estive em outros cantos, mas quem me trouxe, sempiternamente, foram Sertânia, Paulo Afonso, Recife, São Paulo. As cidades também vão nos levando. Construindo, com a gente, a alma que finalmente carregamos. Agradeço por isto, mesmo sem saber, nesta manhã, o que representam, de fato, esses meus novos 47 anos. Só sei que eu vou, lutando. Só sei que a vida é essa ida, à frente, avante, adiante e vamos que vamos. Em tempo: o desenho acima foi feito especialmente ontem pelo amigo paulista, de Santos, Vitor Rolim. Ele que veio passar uma temporada na França. Ele e a sua arte, correndo pela vida, para chegar lá, chegando, e viva! A foto abaixo também foi ele quem clicou. Aproveito para agradecer ao jovem artista. E a todos os que me enviaram centenas de mensagens via e-mail, telefone, via Face. Obrigado, de verdade. Vocês também, desta minha constante e renovada trajetória, fazem especial parte. Valeu, amém, saravá e salve, salve!
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