A PÁGINA ESCRITA
Escrever não é só com palavra. É com espaço em branco. Respiração entre as linhas. Um abismo entre os parágrafos. Tem um jeito de a poesia, de o conto encontrar seu lugar na página. O texto fincado ali feito raiz, digamos. Você, escritor, escritora, é quem diz como quer deixar este corpo em pé. Vejamos: Raduan Nassar, por exemplo, escolheu espasmos. Períodos curtos. Em um único fôlego cada capítulo do Lavoura Arcaica. João Gilberto Noll, em Acenos e Afagos, quis o romance todo em um único parágrafo. Adília Lopes, ao que parece, prefere a maioria de seus poemas em letra minúscula, exceto a palavra que abre a leitura. E lembram quando Valter Hugo Mãe veio com romances sem nenhuma letra em caixa alta? Que rebeldia. Machado de Assis só faltou desenhar no meio dos romances. Matava personagem com anúncios necrológicos. Criador de micro-organismos. Recursos colhidos no seu mestre francês Xavier de Maistre. Leiam dele o Viagem à Roda do Meu Quarto. Não existe romance mais quarantenado. Eta danado! Peço que corram para ver idem como o poeta Herberto Helder espaceja os versos. E, recentemente, Aline Bei, se não fosse uma escritora obstinada, renderia-se ao conselho de uma editora. Pediu para que ela não fosse confundida com poeta. Seu livro, do jeito que está, não venderá. Isso porque no romance O Peso do Pássaro Morto, publicado pela ótima Nós Editora (sem nenhuma intromissão e que já vendeu mais de dez mil exemplares), o texto corre e não-corre, abrindo entre as frases um ritmo estético inconfundível e necessário. Lourenço Mutarelli, sobretudo em O Cheiro do Ralo, tem um jeito de separar os diálogos, de apresentar a fala do narrador. Perguntado sobre a forma que adotou, Mutarelli argumentou que estava, no seu primeiro romance, fazendo um texto em quadrinhos sem os quadrinhos. Daí aquele fluxo cortado. Tudo isso para dizer que encontre o seu jeito de livremente caminhar. Fazer o seu texto, em prosa ou poesia, ser o que se é. Só assim será.
ENSAIOS DE IMPROVISO
19/05/2020 por MARCELINO FREIRE