A PRODUÇÃO DOS LIVROS
Augusto dos Anjos só teve um. Mesmo assim porque ele mesmo publicou. Quase que o Eu não sai. Noémia de Souza não queria livro publicado. Dizia que se o meu povo moçambicano não tem dinheiro para comprar, prefiro soltar os poemas por aí. Reunidos, depois, na obra quase póstuma Sangue Negro. Lançado um ano antes da morte da autora. Fernando Pessoa só viu um de seus compêndios, no meio de heterônimos, lançado. Raduan Nassar tem uma grande obra com apenas dois trabalhos. Juan Rulfo idem, um mínimo par. Há também quem não queira o livro físico. Ter a palavra defendida no peito é o que basta. Nada mais preciso. Alguns poetas que conheci em Macapá, no Amapá, costumam falar publicamente suas poesias. Falado o verso, ora, publicado está. Hoje, no quintal de nossa casa, podemos armar um parque de diversão gráfica. Com um computador na mão então, páginas e páginas on-line já fazem a revolução. Isso sem contar o livro digital. É só jogar na rede e (ba)lançar. Não espero. O contrário também existe, é claro. O escritor e a escritora com várias publicações. Mal acaba um romance, existe outro no prelo. Apesar da pouca idade, aquele poeta ali já tem uma estante inteira de edições. Prateleira cheia. Abarrotada com as próprias obras. Nos mais diversos formatos. É o meu ofício. Não enche o saco. Dependo do livro para poder circular. Pagar o leite da cria. Vender de mão em mão (antes da pandemia). De perfil em perfil. Zines, plaquetes. Um conto, às vezes, entregue ao leitor e pronto. Uma espécie de amostra. De teaser impresso, digamos. Ou uma fotografia no Instagram. No Face, uma poesia para cada dia da semana. Aguardando a sua curtida. Tem gente que critica: literatura não é caldo de cana. Faz tempo que nem Roberto Carlos solta no mercado um disco por ano. Cuidado. Você tem mesmo o que dizer a cada minuto? A cada mês? Será que você não está imprimindo à sua produção artesanal um ritmo industrial? Leitor não. Freguês. Lá vem Roberto Bolãno mais uma vez. Sentindo que iria morrer cedo, o famoso poeta e prosador chileno deixou várias obras prontas para o sustento da família. De quando em quando, é descoberto um original novo. Foda-se. É uma questão de escolha, porra. Sou eu quem escolho. Vivo agora. Ou, quem sabe até, produtivo depois de morto.
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