TODA LITERATURA É PORNOGRÁFICA
Trepara loucamente àquela noite. E é mesmo? Quem trepara não trepou. O pretérito-mais-que-perfeito é ótimo para isso. Para simular. E dissimular. Dentro de mim uma sensação de prazer. E é mesmo? Não sei o que é pior. “Dentro de mim” ou “a sensação”. Este ensaio de hoje está ficando pornográfico. Uma esculhambação. Serei objetivo e direto ao ponto G então. Diga logo o que quer e vá embora. “Dentro de mim” é, de fato, de onde já vem a sua poesia e a sua prosa. O excesso de “dentro” e o excesso de “mim” sempre me parecem redundantes. “Sensação”, melhor evitar. Prazer, tristeza, vazio. Sei lá. Por que não contar logo de uma vez? Quero aprender como trepar. Todo leitor e leitora é curioso. Na hora do gozo, é explícito no que há de implícito. Há frases tão gerais que correm o risco de não dizer. De não tocar o corpo dos personagens como se devia. O segredo é afunilar. Disse uma vez o poeta João Cabral. Prefiro a palavra “manga” à palavra “alegria”. Grife em seu texto tudo que for intensidade falsa. O choro copioso. O desespero. Os olhos arregalados. A dor no peito. O arrepio na espinha. O silêncio absoluto. O gemido gutural. E alto. Tudo, repito, feito para esconder o jogo. Exagera-se para chamar a atenção do leitor. Querendo que ele sinta o que, na verdade, nem o escritor está sentindo. Eu, quando chego a um livro, sou aquele vizinho. Olhando pela janela o movimento. Aquele que chega a qualquer momento e fica só de rabo de olho. No que você está aprontando. Aquele que chega vasculhando a geladeira. Por debaixo dos panos. Alguém que, do jeito que você costuma escrever, parece não desejar por perto. O leitor ou leitora que chega quando menos você espera. Lá está o autor pelado na sala. No quarto, a roupa largada. No teto, o espelho que a tudo vê. Olha quem chegou para a festa. Deixa eu verdadeiramente trepar com você.
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ENSAIOS DE IMPROVISO
22/07/2020 por MARCELINO FREIRE