O AMOR PELA LITERATURA
Sem tempo para o verso. O ponto. A frase. O espanto. Sem tempo para leitura. A linha. A reza. A embocadura. Na atual conjuntura. O que fazer com o personagem à mercê? À toa? Nem sei como Fernando criou mais de uma Pessoa. Lisboa não é aqui. Nem corre um rio na minha aldeia. Tudo paisagem seca. Filho. Filha. Hora de trocar fralda. Do meu pai velho. Levar minha mãe lesa. À privada. Sentar com ela. Juntas. Na espera de um verso? Qual? Estou enxergando mal. Muita coisa para assistir. Para ver na tela. Meus óculos sem funcionar. Haverei de trocar as lentes. As plantas. Aguar as sementes. E tem uma dor. De vez em quando vem. Do além. Aleatoriamente. Sem atraso. Vou à luta. É só tirar um extrato do banco. Estão me roubando, poetas. Estão me roubando. Na hora em que eu parar para escrever. Será um verso de protesto, vocês vão ver. Gritarei à rua. Aquele meu livro continua em aberto. Aquele meu personagem do romance também. Tão elogiado por você o primeiro capítulo. Mas ficou naquilo. No mesmo canto em que deixei. Se der tempo, farei um livro fino, não sei. Uma vez foi você quem falou. Livro fino, tudo bem. Grã-fino é que não dá. Será mesmo que vale a pena insistir na literatura? É fuga. É um jeito de elevar o pensamento. Mas sento. E a alma não senta comigo. Um grito. De repente um chororô. Merda. Escorre a chuva pela janela. Se eu não fechar não tem quem feche. Em época de pandemia, poetas. Para que serve a poesia? Por mais que você me diga, professor, eu desconfio. Não nasci para esta entrega. Escrever é amor, não é? Um exercício de fé. Este vazio.
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