OS CLÁSSICOS VIVOS
Por que você não reclama com a Clarice Lispector? Está lá, o romance dela, repleto de pretérito-mais-que-perfeito. Contei nos dedos. Só no A Paixão Segundo GH, deixa-me ver, uns cento e oito, aposto: “Lembrei-me de ti, quando beijara teu rosto de homem, devagar, devagar beijara”. Você vive dizendo que quem trepara não trepou. E agora? Beijara beijou ou não beijou? E o excesso de “perguntou” e de “respondeu”? Os russos nesses usos, Meu Deus, não têm para ninguém. Ivan Karamázov disse-me-disse, Aliêksei Fiodorovitch também disse, retrucou, afirmou. Falou e, ali, ao que parece, tá falado. Quanta discriminação! Quer dizer que quando a gente escreve está errado? Só por que não somos estudados, é isto? O estilo deles é estilo, o nosso é falha. Vi até “os olhos cheios de lágrimas” no A Metamorfose de Kafka. Um sorriso estampado no rosto na obra de Proust. Duvida? Eu mostro. Em poesia, você vive pedindo para a gente evitar os versos centralizados. Vai lá na obra do poeta Antonio Cicero. Não reclamou com ele só porque ele é seu amigo? E Waly Salomão? Usa negrito, itálico, maiúsculo. Ele pode. Você vai dizer que Salomão era revolução. Quando a gente faz o mesmo, aberração. Falta de leitura. Pode ver que eu acompanho a literatura. Eu sei do que eu estou falando. Nenhum desses gênios conseguiria escrever em sua oficina. Machado de Assis, passa-se uma borracha em cima. Daria dó o seu Esaú e Jacó. Um dia eu mostro um texto assinado por Lima Barreto e vou dizer que é um texto meu. Só para ver a crítica que você fará. Rígida. Desse jeito não dá para a gente conversar. Clamo, aqui, por justiça. Igualdade na hora de cagar regra. Para você só presta, sobretudo, poeta ou prosador que já morreu. Eu escrevo igual a todos eles. Aviso. Sou um clássico vivo. Vai dizer que não? Ora, bolas. Por que nunca, então, me defendeu?
*