• MARCELINO FREIRE
  • SOBRE OS OSSOS

OSSOS DO OFÍDIO

Feeds:
Posts
Comentários
« QUARANTENADO
ENSAIOS DE IMPROVISO »

ENSAIOS DE IMPROVISO

04/11/2020 por MARCELINO FREIRE

A POESIA EM ESTADO LÍQUIDO

Comum que haja um intervalo, durante as oficinas, para um banheiro, um café. A hora do cigarro. Uma ligação para saber se está tudo bem em casa. A poesia também. Aviso: ela tem o instante em que precisa soltar a bexiga. Dar uma baforada. Deixar um recado na secretária eletrônica. Eta danado! Eu estava recentemente conversando sobre isto com o poeta Pedro Blanco. Ele que está lançando, pelo Selo do Burro de São Paulo, o segundo livro de poesias O Gato Tá no Micro-Ondas e a Tesoura Eu Deixei com o Bebê. Ele que diz que o seu corpo ajuda a escrever a própria poesia. Explico: o poeta começa a falar em voz alta um verso e o braço ou o estômago ou a embocadura, na garganta, pede a próxima palavra. Quem assiste a Pedro Blanco dizendo os seus poemas saberá do que eu estou falando. O corpo, ali, incorporando. “Inscrevendo” muito mais do que “escrevendo”. Inaugurando um trejeito, uma respiração, um entremeio. Aliás, uma noção, assim, corporal, nos ajuda a pensar a poesia como um esqueleto. Um organismo. Um veículo que se movimenta a cada linha. Qualquer texto, para mim, não se deve ler sem o peso da pausa, da pulsação, dos caminhos que a palavra caminha. A saber: quando no soneto Versos Íntimos, Augusto dos Anjos diz “Toma um fósforo. Acende teu cigarro”, é preciso que a gente acompanhe o fósforo sendo entregue, o fogo aceso, a fumaça tomando o ar do bar. O bar, é claro, é por minha conta. O balcão em que vejo os dois amigos apoiados. Um que presta solidariedade ao outro diante da “ingratidão, esta pantera”. O cenário da poesia também faz parte da busca de uma atmosfera. É teatro também o verso de um poeta. José, de Drummond, precisa saber que a festa acabou. A terra está arrasada. Dá-se uma parada dramática a cada “E agora, você?”. Fodeu geral. O poeta Nelson Maca, lá de Salvador, é outro que bate o olho no horizonte e tudo verticaliza. Pedra e pau. A ira que faísca no olho do genial Maca toda vez em que ele solta o verbo. Gesticula a sua Gramática da Ira. Poesia não é catálogo de eletrodoméstico. Não é algo que se leia como se fosse uma petição. Tudo dentro de um mesmo ritmo líquido. Da água, que se bebe fria, à vida em ebulição.

*

Espalhe por aí

  • Imprimir
  • E-mail
  • Facebook
  • Twitter
  • WhatsApp
  • Mais
  • Pinterest
  • LinkedIn
  • Reddit
  • Tumblr
  • Pocket
  • Telegram
  • Skype

Curtir isso:

Curtir Carregando...

Relacionado

Publicado em Textos |

  • MARCELINO FREIRE

    Desenhos gentilmente cedidos por Gabriel Bá.

  • MARCELINO FREIRE no TWITTER

    • ENSAIOS DE IMPROVISO marcelinofreire.wordpress.com/2020/11/17/ens… 2 years ago
    • QUARANTENADO marcelinofreire.wordpress.com/2020/11/13/qua… 2 years ago
    • ENSAIOS DE IMPROVISO marcelinofreire.wordpress.com/2020/11/10/ens… 2 years ago
    • ENSAIOS DE IMPROVISO marcelinofreire.wordpress.com/2020/11/06/ens… 2 years ago
    • ENSAIOS DE IMPROVISO marcelinofreire.wordpress.com/2020/11/04/ens… 2 years ago
  • Arquivos

    • novembro 2020
    • outubro 2020
    • setembro 2020
    • agosto 2020
    • julho 2020
    • junho 2020
    • maio 2020
    • abril 2020
    • março 2017
    • fevereiro 2017
    • janeiro 2017
    • dezembro 2016
    • novembro 2016
    • setembro 2016
    • agosto 2016
    • junho 2016
    • maio 2016
    • abril 2016
    • março 2016
    • fevereiro 2016
    • janeiro 2016
    • dezembro 2015
    • novembro 2015
    • julho 2015
    • junho 2015
    • maio 2015
    • abril 2015
    • março 2015
    • fevereiro 2015
    • janeiro 2015
    • dezembro 2014
    • novembro 2014
    • outubro 2014
    • setembro 2014
    • agosto 2014
    • julho 2014
    • junho 2014
    • maio 2014
    • abril 2014
    • março 2014
    • fevereiro 2014
    • janeiro 2014
    • dezembro 2013
    • novembro 2013
    • outubro 2013
    • setembro 2013
    • agosto 2013
    • julho 2013
    • junho 2013
    • maio 2013
    • abril 2013
    • março 2013
    • fevereiro 2013
    • janeiro 2013
    • dezembro 2012
    • novembro 2012
    • outubro 2012
    • setembro 2012
    • agosto 2012
    • julho 2012
    • junho 2012
    • maio 2012
    • abril 2012
    • março 2012
    • fevereiro 2012
    • janeiro 2012
    • dezembro 2011
    • novembro 2011
    • outubro 2011
    • setembro 2011
    • agosto 2011
    • julho 2011
    • junho 2011
    • maio 2011
    • abril 2011
    • março 2011
  • Contato

    Para comentar os textos deste blogue, escreva para: eraodito@uol.com.br

Blog no WordPress.com.

WPThemes.


Privacidade e cookies: Esse site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.
Para saber mais, inclusive sobre como controlar os cookies, consulte aqui: Política de cookies
  • Seguir Seguindo
    • OSSOS DO OFÍDIO
    • Junte-se a 824 outros seguidores
    • Já tem uma conta do WordPress.com? Faça login agora.
    • OSSOS DO OFÍDIO
    • Personalizar
    • Seguir Seguindo
    • Registre-se
    • Fazer login
    • Copiar link curto
    • Denunciar este conteúdo
    • Ver post no Leitor
    • Gerenciar assinaturas
    • Esconder esta barra
%d blogueiros gostam disto: