A FAMÍLIA LITERÁRIA
Eu não sou clariceana. Ela veio me dizer. Chegaram para ela e comentaram. Que ela era da mesma família de Clarice Lispector. Isso só porque, ó, vê, a epígrafe de meu romance vem assinada pela autora de Água Viva. Uma epígrafe tem esse poder de revelação? Ela ficou esperando de mim uma explicação. Vejamos: um livro com citação de Guimarães Rosa. O que essa escolha significa de verdade? Eis aqui um estreante que gosta da oralidade. Acredita no poder da linguagem. Ao que tudo indica, é cria de um mesmo Grande Sertão. Escolha um trecho de uma música dos Beatles para ver o que acontece. De Luiz Gonzaga um fragmento do clássico Asa Branca. Há quem prefira epígrafes em outros idiomas: francês, inglês, espanhol, alemão. Poliglota esse, não? Tem quem comece cada conto com uma filiação. Assinaturas, nas narrativas, de nomes como Borges, Cortázar, Machado, Graciliano. Digo sempre: um time tão vasto assim não deixa de ser uma “carteirada”. Tipo: cuidado com quem você está falando. Olha com quem eu ando. Olha de quem sou refém. A saída é assumir, porra. O que é que tem? Sou um poeta barroco. Modernista, ao certo. Devoto da poesia concretista. Faço parte do movimento periférico. Sou da turma da ficção científica. Tenho amigos dentro da Academia. Quem diria? Discípulo confesso daquele padre. Creio na autoajuda. Vivo de vender livro na rua. Transito pela filosofia. É, de fato, o que você deseja para o seu livro? Logo de cara? À primeira vista? Dedicatória também é um pacto de repertório. Um compromisso que você assina. Na orelha, na contracapa. No convite para quem vai escrever o prefácio. Aliás, há um famoso caso de um livro que precisou ter a orelha cortada. Quem assinava o elogio ao autor matou uma pessoa pouco antes de a obra sair da gráfica. Ave nossa. Ela pergunta se, em uma próxima, por segurança, não seria o caso de inventar uma autoria. Um escritor ou escritora que não exista. Já sei. Sei lá. E se eu usar uma frase sua, hein? O que será que vão pensar?
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