Ontem aqui no blog, no “Ensaios de Improviso”, falamos sobre pontos de interrogação. Hoje as perguntas continuam.
Anotações que encontrei escritas pelas gavetas.
Respondam rapidinho.
Salve e salve e cuidem-se e beleza!
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– Qual a diferença da galinha para o foguete?
– A galinha só voa para baixo.
– Qual a diferença do trem para a formiga?
– O trem vive no trilho, a formiga vive na trilha.
– Qual a diferença do cachorro para o chocolate?
– Não há diferença. O cachorro late, o chocolate também.
– Qual a diferença da minhoca para o caminho?
– É tudo igualzinho: minhoCA, CAminho.
– Qual a diferença da geladeira para o fantasma?
– A geladeira dá frio, o fantasma calafrio.
– Qual a diferença entre o peixe e o esqueleto?
– A água no esqueleto só vai até os joelhos.
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PONTOS DE INTERROGAÇÃO

Quais livros, que vocês lembram, usam ponto de interrogação nos títulos?
Foi hoje um assunto pensado e discutido no Instagram em minha live “Na Hora do Almoço”. O problema não é a pergunta, creio. É a resposta que a pergunta, ela mesma dá. Explico: não explico. Melhor ir direto a alguns títulos: Eram os Deuses Astronautas? Fico indagando: neste caso, é um assunto amplo. Aberto demais. Inovador na abordagem que faz sobre o nosso passado. E o nosso destino. Um outro título: O Que Terá Acontecido a Baby Jane? Curioso, o leitor com certeza irá atrás do livro. Que virou filme. Aliás, adoro ponto de interrogação. Já afirmei que a interrogação é minha pontuação de estimação. Meu estilo. Mas sigamos: O Que É Ser Rio, e Correr? Verso de Fernando Pessoa virou nome de livro do saudoso escritor Alberto Guzik. Mas ainda há outros: Onde Estivestes de Noite? Há edições deste livro de Clarice Lispector em que o título aparece com o ponto interrogação. Na maioria das edições, não. E agora? Qual das duas formas vocês preferem? Eta danado! Durante esse impasse, vem soprar ao meu ouvido a canção “Que País É Esse?”, clássico do Legião Urbana. De geração em geração, essa pergunta se repete. Aliás, quem aí não se recorda da clássica coleção “Primeiros Passos”? A gente comprava para encontrar um caminho de aprendizado e raciocínio: O Que É Democracia? O Que é Poesia Marginal? Hoje as dúvidas continuam e fazem sucesso editorial: O Que É Lugar de Fala? O Que é Racismo Estrutural? Por que Lutamos? Há quem diga, é claro: escrevemos para formular uma pergunta. Tudo, desde o nosso nascimento, e desde muito tempo, é pura interrogação. É ou não é? Não importa como esteja o título na capa, mesmo afirmativo a dúvida foi levantada: ser ou não ser? Eis a questão. E agora, José?
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Relendo, desta vez em espanhol, La Invención de Morel, clássico de Adolfo Bioy Casares.
Se eu achava veloz o primeiro parágrafo, e sempre é um exemplo que dou quando falo de começos de livros, na língua original o ritmo (movimento) fica ainda mais corrido. E fluido. E vivo.
Sem contar que relida a obra, nesses tempos de particular confinamento, percebo ainda mais a nossa vida uma alucinação perpétua.
Eta danado!
Segue o parágrafo abaixo. A ilustração acima é de Norah Borges, especialmente feita a partir do livro.
E corram para mergulhar nesta leitura. E beijos e até a próxima e salve e salve e tenho dito.
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Hoy, en esta isla, ha ocurrido un milagro: el verano se adelantó. Puse la cama cerca de la pileta de natación y estuve bañándome, hasta muy tarde. Era imposible dormir. Dos o tres minutos afuera bastaban para convertir en sudor el agua que debía protegerme de la espantosa calma. A la madrugada me despertó un fonógrafo. No pude volver al museo, a buscar las cosas. Hui por las barrancas. Estoy en los bajos del sur, entre plantas acuáticas, indignado por los mosquitos, con el mar o sucios arroyos hasta la cintura, viendo que anticipé absurdamente mi huida. Creo que esa gente no vino a buscarme; tal vez no me hayan visto. Pero sigo mi destino; estoy desprovisto de todo, confinado al lugar más escaso, menos habitable de la isla; a pantanos que el mar suprime una vez por semana.
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Agora, com os diários de Salvador Dalí na mão.
Seus rasgos criativos, pensamentos. Cheios de humor e mordacidade.
“Mordacidade”. Teve ter a ver com dentes e com cidade.
Algumas das anotações, abaixo (reprodução do diário original lá de cima).
O livro é: Salvador Dalí. Diario de un genio (Editora Tusquets).
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Sonho com um método para curar todas as enfermidades, menos as psicológicas.
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Pintores, sejam ricos e não pobres. Para isto, sigam meus conselhos.
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Honestamente, não pintem desonestamente.
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Breton, tanta e tanta intransigência para tanta decadência insignificante.
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Malditas sejam as obras-primas preguiçosas.
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O PAPEL DE QUEM ESCREVE
Pólen? Couché? Qual tipo de papel usar? Na hora de publicar, tem a ver o papel escolhido? Sim, amigo. Por exemplo, o papel branco demais. Bate a luz branca na letra e tudo explode na vista. Quem enxerga? Na capa, cuidado ao usar brilho. Aquele tipo de capa meio-espelho. Rebatendo a imagem do autor. O título em fonte sombreada. Um horror. Isso quando o nome do escritor ou escritora não ganha relevo dourado. Ora, mas eu ouvi falar. São os livros que mais vendem. Esses cafonas. É cada foto na orelha, caralho. O cara sai sempre com uma biblioteca ao fundo. O sujeito com a mão no queixo. Óculos couro de tartaruga. E o tamanho das letras? E as letras simulando uma caligrafia? A poesia escrita à mão ajuda? Evitar as frases pouco espacejadas. Sem área para respiro. Editora ruim quer economizar papel, explico. E haja entulhar o texto de qualquer jeito. E papel reciclado, o que você acha? A textura de uma semente, sim, pode ser uma linguagem. Mas lembre-se. Palavra é palavra. Peixe é peixe. Tudo já está dito. Às vezes o design de um livro quer tomar a palavra para ele. Folhas coloridas. Efeitos especiais que fazem girar a obra. Capítulo de ponta-cabeça. Uma verdadeira mão-de-obra para se fazer a leitura. E o papel que vaza? De tão fino você acaba lendo o capítulo posterior. Pô! Há também aquela edição que ninguém consegue guardar. O livro caindo do parapeito da prateleira. Sem contar aqueles difíceis de abrir. Até o grampo conta. A cola usada. Creia. Você arreganha o miolo e nada. E mais: os volumes pesados. Caindo na cabeça de um, matam. Sei lá. É o seguinte: a ansiedade de um autor não tem que estar ali, na diagramação. Excesso de apresentação, de truque gráfico. De epígrafe, de currículo, de apelo. Por favor, me leiam. Por favor, me toquem. Por favor, eu estou aqui, não me veem? Calma. Livro não é outdoor na praça. Daí o ofício de um bom editor. De um interlocutor que entende de papel. De ficha catalográfica. De composição. Da cor a ser usada. Para você não se sentir tão alheio. Tão só. Sabia que a cor laranja se estraga em contato com o sol? O quê? O que isso tem a ver com a minha prosa? Um livro pode estar todo bem apresentado, mas o conteúdo ser uma bosta. De fato. Na dúvida, pegue um papel A4. Dobre o verso ao meio. E acredite, poeta, no papel que você escolheu para a sua vida. Nem todo pólen poliniza.
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Tem gente com fome.
Tem gente com fome.
Tem gente com fome.
Solano Trindade (foto) repete três vezes.
Dá de comer.
Dá de comer.
Dá de comer.
Solano Trindade repete três vezes.
Em outros versos, também repete.
Tem gente morrendo, Ana.
Tem gente morrendo, Ana.
Tem gente morrendo, Ana.
E mais ainda:
Eu trabalho.
Eu planto.
Eu construo.
A todo tempo, uma tríade.
Canto de negro dói.
Canto de negro mata.
Canto de negro faz bem e faz mal.
Há todo o tempo, relendo “Cantares ao Meu Povo”, livro de Solano Trindade, ecoam três acordes. Ainda há de se estudar sobre isto (com certeza, alguém já bateu o olho no que grita a minha frouxa descoberta).
Só fiz uma pesquisa rápida, para saber até: a música africana trabalha com a polirritmia. A polirritmia mais comum toca três batidas em cima de duas, como uma trinca tocada contra notas retas.
Contra notas retas. Compreendi, mestre.
E agradeço, So-la-no Trin-da-de.
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O TEMPO NA LITERATURA
Naquela manhã. Naquela noite. Naquela tarde. Fazia sol. Era verão. Inverno. Outono. De manhã. Muito cedo. Na madrugada. Chovia. No raiar do dia. Passaram-se alguns anos. Algumas horas. Instantes. Depois de alguns minutos olhando para o teto. Fixo. Bem antes. Após algum tempo. Em uma fração de segundos. Vupt. Vapt. O tic tac do relógio. Dia após dia. Às 12 horas. Muitas horas. Meio-dia em ponto. Na alta madrugada. Mais tarde. Logo cedo. O sol nascendo. Quando o sol se põe. Por um momento. Ao cair da tarde. No intervalo de alguns dias. Três dias. Um mês. Com o passar dos anos. De olho nos ponteiros. Na outra semana. Àquele dia fatídico. Era uma vez. Em um passado não muito distante. Recentemente. No momento presente. Atualmente. Num futuro próximo. No piscar de olhos. Foi quando. Aurora. Desde sempre. Diante do espelho. Os cabelos cresceram. As longas barbas. Hoje. As rugas na cara. Como antigamente. Nos áureos tempos de criança. Na juventude. Àquela época. Nos anos dourados. No calor do momento. No frescor dos 15 anos. No mês de setembro. Com o nascimento das flores. No decorrer da vida. Na alta madrugada. Na flor da idade. De repente. Anoitecera. Ao apagar das luzes. Ao despertar. Quando viu já estava velho. Neste ínterim. Em plena primavera. Faça chuva. Faça sol. Quando os primeiros raios bateram na janela. Subitamente. Num lapso. Não faz nem meia-hora. Sem demora. No final do ano. Quando o galo cantou. No princípio do mundo. Ao término. Em um lapso. Quando viu já foi. No tempo de meus avós. Lá atrás. Um dia. Uma vez. Minuto a minuto. Tempo é dinheiro. Entrementes. Naquela estação. Sempre. Durante. Então. Todo o santíssimo dia. De sol a sol. Mais do que nunca. Decurso. Constantemente. Como de costume. O tempo passa. Por um triz. Assim. A vida não para. Amanhã. Escreva aí. Muitas frases depois. Aqui começa. Outrora. Diante do mesmo lugar-comum. Fim. É o fim.
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Relendo, pela casa, alguns Provérbios Brasileiros. Reunidos por José Pérez para a Ediouro.
A saber:
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A gente olha e outro é que vê.
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Buscar lenha para se queimar.
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Espalhado como bosta em rodeio.
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Evitando a fumaça cair no fogo.
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Não há laço que não se ramalhe.
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Quem canta não assobia.
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O AMOR PELA LITERATURA
Sem tempo para o verso. O ponto. A frase. O espanto. Sem tempo para leitura. A linha. A reza. A embocadura. Na atual conjuntura. O que fazer com o personagem à mercê? À toa? Nem sei como Fernando criou mais de uma Pessoa. Lisboa não é aqui. Nem corre um rio na minha aldeia. Tudo paisagem seca. Filho. Filha. Hora de trocar fralda. Do meu pai velho. Levar minha mãe lesa. À privada. Sentar com ela. Juntas. Na espera de um verso? Qual? Estou enxergando mal. Muita coisa para assistir. Para ver na tela. Meus óculos sem funcionar. Haverei de trocar as lentes. As plantas. Aguar as sementes. E tem uma dor. De vez em quando vem. Do além. Aleatoriamente. Sem atraso. Vou à luta. É só tirar um extrato do banco. Estão me roubando, poetas. Estão me roubando. Na hora em que eu parar para escrever. Será um verso de protesto, vocês vão ver. Gritarei à rua. Aquele meu livro continua em aberto. Aquele meu personagem do romance também. Tão elogiado por você o primeiro capítulo. Mas ficou naquilo. No mesmo canto em que deixei. Se der tempo, farei um livro fino, não sei. Uma vez foi você quem falou. Livro fino, tudo bem. Grã-fino é que não dá. Será mesmo que vale a pena insistir na literatura? É fuga. É um jeito de elevar o pensamento. Mas sento. E a alma não senta comigo. Um grito. De repente um chororô. Merda. Escorre a chuva pela janela. Se eu não fechar não tem quem feche. Em época de pandemia, poetas. Para que serve a poesia? Por mais que você me diga, professor, eu desconfio. Não nasci para esta entrega. Escrever é amor, não é? Um exercício de fé. Este vazio.
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SOBRE AS ASPAS
Umas anotações colhidas no livro A Ideia da Prosa, do filósofo italiano Giorgio Agamben (foto).
A saber:
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“A palavra entre aspas só espera pela primeira oportunidade de se vingar.”
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“Quem alguma vez colocou uma palavra entre aspas nunca mais se livrará dela.”
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“As aspas são muros finos, instransponíveis. Formam o tribunal do pensamento.”
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“No lugar onde caiu uma voz, onde faltou o sopro da respiração, um minúsculo sinal está suspenso, em cima. Sem outro suporte além deste, hesitante, o pensamento aventura-se.”
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As aspas, acima, são minhas.
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