Escrevi esse texto, abaixo, à época em que o jovem Vitor Gurman foi atropelado e morto aqui pertinho de casa, na Vila Madalena. Esse texto foi o que inaugurou uma antiga coluna minha no jornal O Estado de S. Paulo. Aliás, o jornal não gostou nadinha do que eu escrevi. Eta danado! Um dia eu conto a polêmica. Enfim, assado. O caso é que hoje, terça, na Livraria Cultura da Paulista, será lançada a coletânea “Tudo o que não foi”, organizada por Deborah Kietzmann Goldemberg. O livro reúne vários autores escrevendo e se indignando contra a morte no trânsito. Eu participo exatamente com este texto e tenho dito. Apareça na Livraria Cultura. O lançamento começa às 18 horas e aquelabraço. E mais não digo.
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CARRÃO
Carrão não buzina.
Carrão passa por cima da lei.
Carrão tem nome em inglês.
Carrão não fala português.
Carrão não respeita o sinal.
Carrão é um cão pitbull.
Carrão é animal.
Carrão é dono do mundo.
Carrão é chefe da rua.
Carrão se sente o rei da calçada.
Carrão passa e ultrapassa.
Carrão não olha para trás.
Carrão não enxerga de lado.
Carrão não vê a cara do povo.
Carrão gosta é de ser visto.
Carrão não é pouca coisa.
Carrão é vaidoso.
Carrão não corre perigo.
Carrão anda blindado.
Carrão vive chumbado.
Carrão, mesmo embriagado, insiste.
Carrão é movido a whisky importado.
Carrão defende que ele é a vítima.
Carrão não encontra espaço.
Carrão diz que o problema são os buracos.
Carrão não foi feito para as ruas de São Paulo.
Carrão, tá ligado, melhora a economia.
Carrão dá qualidade ao ar.
Carrão tem autoridade.
Carrão só faz teste de abafômetro.
Carrão causa inveja.
Carrão vai fundo na pista.
Carrão não enguiça.
Carrão é de matar.
Carrão não morre no trânsito.
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