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Archive for outubro \29\+00:00 2020

QUARANTENADO

Relendo os poemas do português Daniel Jonas (acima).

No Brasil, dele Os Fantasmas Inquilinos, publicado pela Todavia.

Eis duas das poesias abaixo.

E salve e salve e aquelabraço.

*

VELHO MESTRE

O silêncio
de um fruto sobre a mesa,
apenas ferido
por um gume de luz
no meridiano.

Mas nenhuma ameaça,
nem o arnês de dedos
formando-se no horizonte,
apenas o golpe do sol
afiado na vidraça.

Um fruto
é um velho mestre
esperando na luz
as trevas
do amadurecimento.



AMANTES

No limo do linho
polvos
atribulados

no enleio
dos seus
tentáculos

vulneráveis
jorrando tinta
em autodefesa,

como se ameaçados
procurassem
escrever.

*

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ENSAIOS DE IMPROVISO

A ESCRITA LITERÁRIA

O caderno pequeno está me ajudando a escrever. Encontrei o ritmo do meu novo romance por causa do caderninho. E estou escrevendo à mão. Por exemplo: quando eu quero retrair um pouco o ritmo de um conto, não vou ao computador. Escrevo na lentidão da letra manuscrita. No entanto, a maioria das minhas narrativas é composta mesmo assistindo, na tela, ao arquivo branco do Word. E, preferencialmente, em fonte Times New Roman. Usando muito Control C, Control V. Isso, com certeza, influencia a nossa criação, pode crer. Uma vez, em uma entrevista, um famoso dramaturgo falou da importância do tec tec da máquina de datilografia para o tom dramático em seus diálogos. Imagino, tempos antes, a pena de Cervantes escrevendo à luz de vela todo o calhamaço de O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la Mancha. O personagem só podia ter pirado, é claro. E as canetas-tinteiros? Borrando de sombras os dedos de autores feito Augusto dos Anjos. Machado de Assis, Lima Barreto. E tem a história clássica do clássico On The Road. Jack Kerouac datilografou o romance, de forma alucinada, durante três semanas, em um rolo de papel para telex de 40 metros. Defendeu à época: foi meio um processo de improviso jazzístico. O meu atual caso é um tanto camerístico. Explico a técnica: é uma história meio rudimentar. Em um ambiente parado no ar. Daí a escolha da caneta (tem de ser sempre preta) e a minha caligrafia que só eu entendo. Os dedos doem e isso me ajuda na trajetória simplória do protagonista. Eu em uma travessia, inglória, à cata de uma linguagem sertaneja. Quase uma devoção. Penso nos cadernos de Carolina Maria de Jesus, alguns deles encontrados no lixão. E aqui não vai nenhuma comparação. É só para dizer que o suporte, onde se coloca a palavra “inscrita”, também não deixa de ser autoral. Tentei outros cadernos dos vários que eu tenho. Mas foi este, pequeno (no tamanho magro), que me deu o tom da história. A palavra, ali, encontrou o seu lugar no mundo. O nascimento a partir da natureza física do trabalho. O tempo. No contato íntimo, e fundo, com cada instrumento.

*

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QUARANTENADO

Nos papeis, perdidos, alguns poemas meus tão pequenos e tão antigos.

Eis alguns, abaixo.

Que eu denominei, à época, de “cuzinhos”.

Quero, durante a quarentena, retomá-los.

Para manter a libido em dia e salve e salve e beijabraços.

*

no céu
da boca
chove
mijo



a saliva
do pau
na língua



todo cara
tem a cara
do caralho
que tem



o coração
é
uma
punheta
mal
batida



o olho
do teu cu
pela
fechadura



o cu
do mundo
também
é
redondo



abaixo
do
umbigo
um
bigode

*







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ESCREVER É OSSO

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ENSAIOS DE IMPROVISO

OS INSTRUMENTOS DE QUEM ESCREVE

O violão é um outro braço. Isso fala sempre quem toca um violão. Ou um violino. Rabeca. Até o poeta Cartola já cantarolou, tão lindo: “Ah, este bojo perfeito / Que trago junto ao meu peito”. O instrumento como extensão dos órgãos do artista. O piano, por exemplo. Já ouvi dizer da própria boca de um concertista: todo pianista é um médico. Operando cada uma das teclas. O piano, um Lázaro deitado. Um coração, pelo toque do solista, ressuscitado. A guitarra, quantas foram incendiadas. Como se o virtuose queimasse as próprias vestes. E as atirasse, as cordas feridas, à plateia. E o tambor? É a vibração da alma. A carne. Um fóssil vivo pela batida dos ossos. E o saxofone então? E a flauta fálica? Não falta analogia (anatomia) para o som que se cospe. Uma gaita que a saliva morde entre os dentes. O toque dos dedos na harpa corpulenta. A sanfona safada. O pandeiro. O molejo da munheca. O baterista que treme. Em múltipla excitação. Uma sinfônica inteira de intestino. Pulmão, buceta, colhão. Membros sonoros. Daí, o mesmo digo do escritor e da escritora em manobra com seu repertório. A dicção de suas frases. A maneira como cada um, cada uma, compõe um conto. Põe na página (partitura) a sua literatura. A saber: escrever é desdobramento da língua de quem escreve. Unha, olho. Linha que passa pelo caminho da espinha. A eletricidade ao pé do ouvido. Do fundo do estômago vem o verso. Dá fome. Sofre com o calor. Geme no inverno. Em resumo: igualmente o romance que você manuscreve nos cadernos, digita nos arquivos de computador, é essa ponte constante. De dentro para fora. Atenção, orquestra. Um, dois, três. Mãos à obra. E bom show.

*

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QUARANTENADO

Ontem aqui no blog, no “Ensaios de Improviso”, falamos sobre pontos de interrogação. Hoje as perguntas continuam.

Anotações que encontrei escritas pelas gavetas.

Respondam rapidinho.

Salve e salve e cuidem-se e beleza!

*

– Qual a diferença da galinha para o foguete?
– A galinha só voa para baixo.

– Qual a diferença do trem para a formiga?
– O trem vive no trilho, a formiga vive na trilha.

– Qual a diferença do cachorro para o chocolate?
– Não há diferença. O cachorro late, o chocolate também.

– Qual a diferença da minhoca para o caminho?
– É tudo igualzinho: minhoCA, CAminho.

– Qual a diferença da geladeira para o fantasma?
– A geladeira dá frio, o fantasma calafrio.

– Qual a diferença entre o peixe e o esqueleto?
– A água no esqueleto só vai até os joelhos.

*

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ENSAIOS DE IMPROVISO

PONTOS DE INTERROGAÇÃO

Quais livros, que vocês lembram, usam ponto de interrogação nos títulos?
Foi hoje um assunto pensado e discutido no Instagram em minha live “Na Hora do Almoço”. O problema não é a pergunta, creio. É a resposta que a pergunta, ela mesma dá. Explico: não explico. Melhor ir direto a alguns títulos: Eram os Deuses Astronautas? Fico indagando: neste caso, é um assunto amplo. Aberto demais. Inovador na abordagem que faz sobre o nosso passado. E o nosso destino. Um outro título: O Que Terá Acontecido a Baby Jane? Curioso, o leitor com certeza irá atrás do livro. Que virou filme. Aliás, adoro ponto de interrogação. Já afirmei que a interrogação é minha pontuação de estimação. Meu estilo. Mas sigamos: O Que É Ser Rio, e Correr? Verso de Fernando Pessoa virou nome de livro do saudoso escritor Alberto Guzik. Mas ainda há outros: Onde Estivestes de Noite? Há edições deste livro de Clarice Lispector em que o título aparece com o ponto interrogação. Na maioria das edições, não. E agora? Qual das duas formas vocês preferem? Eta danado! Durante esse impasse, vem soprar ao meu ouvido a canção “Que País É Esse?”, clássico do Legião Urbana. De geração em geração, essa pergunta se repete. Aliás, quem aí não se recorda da clássica coleção “Primeiros Passos”? A gente comprava para encontrar um caminho de aprendizado e raciocínio: O Que É Democracia? O Que é Poesia Marginal? Hoje as dúvidas continuam e fazem sucesso editorial: O Que É Lugar de Fala? O Que é Racismo Estrutural? Por que Lutamos? Há quem diga, é claro: escrevemos para formular uma pergunta. Tudo, desde o nosso nascimento, e desde muito tempo, é pura interrogação. É ou não é? Não importa como esteja o título na capa, mesmo afirmativo a dúvida foi levantada: ser ou não ser? Eis a questão. E agora, José?

*

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ILHADO NA QUARENTENA

*

Relendo, desta vez em espanhol, La Invención de Morel, clássico de Adolfo Bioy Casares.

Se eu achava veloz o primeiro parágrafo, e sempre é um exemplo que dou quando falo de começos de livros, na língua original o ritmo (movimento) fica ainda mais corrido. E fluido. E vivo.

Sem contar que relida a obra, nesses tempos de particular confinamento, percebo ainda mais a nossa vida uma alucinação perpétua.

Eta danado!

Segue o parágrafo abaixo. A ilustração acima é de Norah Borges, especialmente feita a partir do livro.

E corram para mergulhar nesta leitura. E beijos e até a próxima e salve e salve e tenho dito.

*

Hoy, en esta isla, ha ocurrido un milagro: el verano se adelantó. Puse la cama cerca de la pileta de natación y estuve bañándome, hasta muy tarde. Era imposible dormir. Dos o tres minutos afuera bastaban para convertir en sudor el agua que debía protegerme de la espantosa calma. A la madrugada me despertó un fonógrafo. No pude volver al museo, a buscar las cosas. Hui por las barrancas. Estoy en los bajos del sur, entre plantas acuáticas, indignado por los mosquitos, con el mar o sucios arroyos hasta la cintura, viendo que anticipé absurdamente mi huida. Creo que esa gente no vino a buscarme; tal vez no me hayan visto. Pero sigo mi destino; estoy desprovisto de todo, confinado al lugar más escaso, menos habitable de la isla; a pantanos que el mar suprime una vez por semana.

*

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PARA PENSAR ANDANDO

Agora, com os diários de Salvador Dalí na mão.

Seus rasgos criativos, pensamentos. Cheios de humor e mordacidade.

“Mordacidade”. Teve ter a ver com dentes e com cidade.

Algumas das anotações, abaixo (reprodução do diário original lá de cima).

O livro é: Salvador Dalí. Diario de un genio (Editora Tusquets).

*

Sonho com um método para curar todas as enfermidades, menos as psicológicas.



Pintores, sejam ricos e não pobres. Para isto, sigam meus conselhos.



Honestamente, não pintem desonestamente.



Breton, tanta e tanta intransigência para tanta decadência insignificante.



Malditas sejam as obras-primas preguiçosas.

*



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ENSAIOS DE IMPROVISO

O PAPEL DE QUEM ESCREVE

Pólen? Couché? Qual tipo de papel usar? Na hora de publicar, tem a ver o papel escolhido? Sim, amigo. Por exemplo, o papel branco demais. Bate a luz branca na letra e tudo explode na vista. Quem enxerga? Na capa, cuidado ao usar brilho. Aquele tipo de capa meio-espelho. Rebatendo a imagem do autor. O título em fonte sombreada. Um horror. Isso quando o nome do escritor ou escritora não ganha relevo dourado. Ora, mas eu ouvi falar. São os livros que mais vendem. Esses cafonas. É cada foto na orelha, caralho. O cara sai sempre com uma biblioteca ao fundo. O sujeito com a mão no queixo. Óculos couro de tartaruga. E o tamanho das letras? E as letras simulando uma caligrafia? A poesia escrita à mão ajuda? Evitar as frases pouco espacejadas. Sem área para respiro. Editora ruim quer economizar papel, explico. E haja entulhar o texto de qualquer jeito. E papel reciclado, o que você acha? A textura de uma semente, sim, pode ser uma linguagem. Mas lembre-se. Palavra é palavra. Peixe é peixe. Tudo já está dito. Às vezes o design de um livro quer tomar a palavra para ele. Folhas coloridas. Efeitos especiais que fazem girar a obra. Capítulo de ponta-cabeça. Uma verdadeira mão-de-obra para se fazer a leitura. E o papel que vaza? De tão fino você acaba lendo o capítulo posterior. Pô! Há também aquela edição que ninguém consegue guardar. O livro caindo do parapeito da prateleira. Sem contar aqueles difíceis de abrir. Até o grampo conta. A cola usada. Creia. Você arreganha o miolo e nada. E mais: os volumes pesados. Caindo na cabeça de um, matam. Sei lá. É o seguinte: a ansiedade de um autor não tem que estar ali, na diagramação. Excesso de apresentação, de truque gráfico. De epígrafe, de currículo, de apelo. Por favor, me leiam. Por favor, me toquem. Por favor, eu estou aqui, não me veem? Calma. Livro não é outdoor na praça. Daí o ofício de um bom editor. De um interlocutor que entende de papel. De ficha catalográfica. De composição. Da cor a ser usada. Para você não se sentir tão alheio. Tão só. Sabia que a cor laranja se estraga em contato com o sol? O quê? O que isso tem a ver com a minha prosa? Um livro pode estar todo bem apresentado, mas o conteúdo ser uma bosta. De fato. Na dúvida, pegue um papel A4. Dobre o verso ao meio. E acredite, poeta, no papel que você escolheu para a sua vida. Nem todo pólen poliniza.

*

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