Posted in Textos on 28/10/2020|
A ESCRITA LITERÁRIA
O caderno pequeno está me ajudando a escrever. Encontrei o ritmo do meu novo romance por causa do caderninho. E estou escrevendo à mão. Por exemplo: quando eu quero retrair um pouco o ritmo de um conto, não vou ao computador. Escrevo na lentidão da letra manuscrita. No entanto, a maioria das minhas narrativas é composta mesmo assistindo, na tela, ao arquivo branco do Word. E, preferencialmente, em fonte Times New Roman. Usando muito Control C, Control V. Isso, com certeza, influencia a nossa criação, pode crer. Uma vez, em uma entrevista, um famoso dramaturgo falou da importância do tec tec da máquina de datilografia para o tom dramático em seus diálogos. Imagino, tempos antes, a pena de Cervantes escrevendo à luz de vela todo o calhamaço de O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la Mancha. O personagem só podia ter pirado, é claro. E as canetas-tinteiros? Borrando de sombras os dedos de autores feito Augusto dos Anjos. Machado de Assis, Lima Barreto. E tem a história clássica do clássico On The Road. Jack Kerouac datilografou o romance, de forma alucinada, durante três semanas, em um rolo de papel para telex de 40 metros. Defendeu à época: foi meio um processo de improviso jazzístico. O meu atual caso é um tanto camerístico. Explico a técnica: é uma história meio rudimentar. Em um ambiente parado no ar. Daí a escolha da caneta (tem de ser sempre preta) e a minha caligrafia que só eu entendo. Os dedos doem e isso me ajuda na trajetória simplória do protagonista. Eu em uma travessia, inglória, à cata de uma linguagem sertaneja. Quase uma devoção. Penso nos cadernos de Carolina Maria de Jesus, alguns deles encontrados no lixão. E aqui não vai nenhuma comparação. É só para dizer que o suporte, onde se coloca a palavra “inscrita”, também não deixa de ser autoral. Tentei outros cadernos dos vários que eu tenho. Mas foi este, pequeno (no tamanho magro), que me deu o tom da história. A palavra, ali, encontrou o seu lugar no mundo. O nascimento a partir da natureza física do trabalho. O tempo. No contato íntimo, e fundo, com cada instrumento.
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